A polícia usou gás lacrimogéneo para dispersar centenas de manifestantes em Luanda. Há relatos de pelo menos uma morte e vários feridos. Organizadores dizem que se viveu um “ambiente de terror”.
O feriado do Dia da Independência de Angola ficou marcado por confrontos entre a polícia e manifestantes que saíram às ruas de Luanda para exigir melhores condições de vida e a marcação das primeiras eleições autárquicas no país.
Enquanto gritavam palavras de ordem como “a polícia é do povo, não é do MPLA” ou cantavam o hino nacional, os jovens foram alvo de cargas policiais, com recurso a balas de borracha, canhões de água e gás lacrimogéneo.
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Segundo os manifestantes, pelo menos uma pessoa morreu e várias ficaram feridas nos protestos. Entre os feridos estão os ativistas Nito Alves e Laurinda Gouveia, integrantes do conhecido grupo de revolucionários 15+2. Várias pessoas foram detidas.
“O ambiente que se registou hoje foi de terror”, resume à o porta-voz dos manifestantes, Dito Dali. “O país voltou ao estado policial, ao estado de terror, onde as autoridades não respeitam a Constituição e as leis. Mais uma vez, o Presidente João Lourenço mostrou a sua veia arrogante, o seu nervosismo, e isso é mau para o país que nós queremos erguer, democrático e de direito.”
A polícia ainda não se pronunciou sobre o número de pessoas feridas ou detidas na manifestação desta quarta-feira. Numa curta declaração, denunciou apenas ações de vandalismo e desordem numa altura em que estão proibidos ajuntamentos de mais de cinco pessoas na via pública, devido à pandemia da Covid-19.
Em Luanda, ainda antes das 11 horas locais, hora prevista para o início da marcha, já havia barreiras policiais instaladas junto ao cemitério de Santa Ana, de onde deveriam sair os jovens rumo ao centro da cidade. Face à repressão policial, os manifestantes acabaram por fugir para bairros adjacentes, o que deu origem a uma perseguição policial.
Enquanto isso, durante a manhã dos protestos, João Lourenço presidiu à inauguração do Hotel Continental Luanda Miramar, uma infraestrutura que foi recentemente recuperada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e foi construída com recursos da petrolífera estatal Sonangol.
Aos jornalistas, João Lourenço disse que a unidade hoteleira “será um sucesso” e trará “ganhos para o investimento privado, o turismo e o bom nome do país”.
O ativista Dito Dali duvida, no entanto, que Angola consiga manter essa boa imagem ao reprimir protestos, como fez esta quarta-feira – não só em Luanda como também noutras localidades, incluindo em Ndalatando, na província do Kwanza Norte.
Durante os protestos em Luanda, o correspondente da agência noticiosa Reuters em Angola, Lee Bogotá, também foi agredido por polícias e viu o seu material de trabalho destruído. Outro jornalista, Fernando Guelengue, denunciou que o seu material de trabalho foi apreendido pelas forças de segurança em pleno exercício das suas funções.
“Comecei a fazer um “live” e deparo-me com o ativista Luaty Beirão a ser detido”, contou Guelengue. “Estava a fazer o relato e, nesse instante, ao meu lado estava um polícia – havia muitos polícias, fardados e à paisana – e ficaram com o meu telemóvel. Disseram-nos que não podíamos filmar.”
Luaty Beirão foi detido pelas 13 horas locais, também quando fazia um direto para o Facebook, mostrando a sua caminhada para uma das manifestações em Luanda. Nos segundos finais do vídeo, ouve-se a voz do ativista luso-angolano a dizer que um polícia lhe estava a tirar a câmara. Durante a caminhada, Luaty Beirão interage com uma transeunte que lhe recomenda que não se manifeste. “Não faça isso? Ó senhora, deixe as pessoas reclamarem, queremos que os filhos cresçam num país melhor. Neste país a culpa é da vítima, sempre”, respondeu o ativista.
Esta quarta-feira à tarde, Pedro Neto, diretor-executivo da Amnistia Internacional em Portugal, condenou a repressão policial e pediu a responsabilização das autoridades angolanas. “Este contexto da Covid-19 não pode ser usado como desculpa para reprimir a sociedade civil naquilo que são as suas reivindicações legítimas e se o fazem dentro dos limites da liberdade de expressão e manifestação, de forma pacífica. Lamentamos a violência que tem existido na repressão que está a ser feita”, afirmou Pedro Neto em entrevista à DW África.