Connecting Europe Express terá mais de uma dezena de paragens para mostrar o poder da ferrovia no Velho Continente. O projeto foi oficialmente anunciado esta segunda-feira pela comissária europeia dos Transportes, Adina Valean.
Anúncio é feito numa altura em Portugal está sem ligações internacionais por comboio. A Comissão Europeia vai ligar Portugal a Paris de comboio em setembro. Bruxelas quer mostrar o papel da ferrovia na região, com uma viagem especial para discutir os desafios deste meio de transporte e como este meio de transporte pode ganhar utilizadores às estradas e ao avião. O projeto foi oficialmente anunciado esta segunda-feira pela comissária europeia dos Transportes, Adina Valean.
O Connecting Europe Express – assim se chamará este comboio – vai partir de Lisboa em setembro, passando pela capital da Eslovénia e outras cidades europeias, terminando a viagem em Paris. Portugal e Eslovénia assumem a presidência rotativa do Conselho da UE em 2021; França terá este cargo no primeiro semestre de 2022. Este comboio também vai passar por pelo menos dois países que não integram a União Europeia, como Suíça e Sérvia.
SUBSCREVER NEWSLETTER
Subscreva a nossa newsletter e tenha as notícias no seu e-mail de segunda a sexta
2021 marca os 175 anos da primeira ligação ferroviária internacional, que uniu Paris a Bruxelas.
A comissária europeia salientou o desafio deste comboio, que irá passar por três bitolas. Atualmente, já existe tecnologia que permite ultrapassar este obstáculo, através da colocação de eixos telescópicos nos rodados dos comboios. A mudança de bitola é feita a velocidade reduzida sobre um intercambiador – existe em Espanha -, que ajusta a largura dos rodados à distância entre os carris.
Foi em dezembro de 2020 que surgiram as primeiras notícias sobre um comboio da Comissão Europeia para promover a ferrovia. Na altura, a viagem estaria marcada para junho: partindo de Lisboa, este comboio teria como destino a capital da Eslovénia, Liubliana, marcando a transição entre presidências do Conselho da UE. Espanha, França, Bélgica, Holanda, Alemanha, República Checa, Eslováquia, Hungria, Roménia e Croácia seriam algumas das passagens deste comboio, escreveu na altura o jornal Público.
O anúncio oficial do Connecting Europe Express ocorre numa altura em que Portugal está sem ligações ferroviárias internacionais. Desde março de 2020 que estão fora de circulação os comboios Lusitânia (para Madrid) e Sud Express (para Hendaye, em França). Esta suspensão, inicialmente, devia-se ao encerramento da fronteira entre Portugal e Espanha. No último ano, contudo, as autoridades espanholas não manifestaram interesse em retomar esta ligação noturna.
O cenário agravou-se há mais de duas semanas. Na altura, uma representante do ministério espanhol dos Transportes admitiu que o país vizinho poderá deixar de ter comboios noturnos mesmo depois do fim da pandemia do coronavírus.
A culpa é da qualidade da rede de alta velocidade espanhola: “se entre Madrid e Barcelona ou Sevilha o trajeto é de duas horas e meia, não é razoável pensar que os comboios noturnos possam ser competitivos ou atrativos para os utentes”, referiu a secretária-geral dos Transportes e Mobilidade, María José Rallo, durante uma comissão da câmara baixa do Parlamento espanhol.
A ideia desta responsável espanhola choca com os anúncios dos governos de França, Alemanha, Áustria e Suíça, que estão a recuperar material circulante para voltarem a operar comboios noturnos a partir do final de 2021, já com a pandemia sob controlo.
No início deste ano, foi apresentado o projeto Trans Europ Express 2.0, que pretende recuperar a rede transeuropeia ferroviária para ligar as principais cidades europeias através de comboios de elevada qualidade para serviços diurnos e noturnos.
Partindo de Lisboa, só para chegar a Madrid, eram necessárias mais de 10 horas de viagem, com o comboio a partir de Lisboa e a seguir pela Linha da Beira Alta a partir de Pampilhosa, entrando em Espanha através de Vilar Formoso. O Lusitânia seguia em conjunto com o Sud Expresso até Medina del Campo. Aí. o Lusitânia rumava à capital espanhola; o Sud Expresso seguia até Hendaye, em França.
Apenas depois de 2023 será possível ligar as duas capitais ibéricas durante o dia de forma competitiva: nessa altura, ficará pronto o troço de 110 quilómetros entre Évora e Elvas, para velocidades de até 250 km/h. Conjugado com os desenvolvimentos na linha do lado espanhol, será possível viajar entre Lisboa e Madrid em cerca de cinco horas.
Portugal sem margem para perder o comboio da Europa
Com o país a presidir ao conselho da UE, arranca hoje o ano europeu dedicado ao transporte ferroviário.
Depois de quatro décadas a fechar linhas, o Estado tenta inverter o ciclo. A construção da linha ferroviária na ponte 25 de Abril foi uma das poucas obras relevantes nos caminhos de ferro em Portugal nas últimas décadas
Desde que Portugal entrou na União Europeia, encolher foi a palavra de ordem no caminho-de-ferro. Nos últimos 45 anos, fecharam mais de mil quilómetros de linhas ferroviárias, três capitais de distrito ficaram sem acesso ao comboio e o interior ficou mais longe dos carris. Com o país na presidência do conselho da UE, arranca hoje o ano europeu dedicado ao transporte ferroviário. É um comboio que Portugal não pode perder.
“Este pode ser o momento de viragem relativamente a uma aposta que foi muitas vezes anunciada, mas não concretizada. Atualmente, não só temos o enquadramento interno como o enquadramento externo”, destaca o líder europeu da União Internacional dos Caminhos de Ferro (UIC). Francisco Cardoso dos Reis está há praticamente cinco décadas na ferrovia.
Durante esse período, Cardoso dos Reis assistiu ao plano de modernização ferroviária de 1988, testemunhou os planos operacionais dos transportes no início da década de 2000, acompanhou as orientações estratégicas para a ferrovia nos tempos de José Sócrates e ainda seguiu o plano estratégico dos transportes de Passos Coelho.
“Não houve os resultados que se esperavam”, reconhece o dirigente, que liderou a Refer entre 2000 e 2002 e que comandou a CP entre 2006 e 2010. Pela positiva, além do comboio na ponte 25 de Abril, em 1999, o comboio pendular chegou a Braga e Faro, por causa do Euro 2004.
De resto, a ligação entre Lisboa e Porto continua a demorar três horas pela congestionada linha do Norte e o comboio deixou de chegar aos distritos de Bragança, Vila Real e Viseu – e em Portalegre a estação fica a mais de dez quilómetros do concelho.
Desde 1986, fecharam as linhas do Corgo, do Dão, do Sabor e do Tâmega, além dos ramais de Aljustrel, Cáceres, Figueira da Foz, Mora, Moura, Portalegre e Reguengos. No Douro, desde 1988 que não há comboios entre Pocinho e Barca d”Alva, na fronteira com Espanha.
A inversão do ciclo começou muito lentamente, em fevereiro de 2016, com a apresentação do plano Ferrovia 2020, num investimento de 2,1 mil milhões de euros. Com suporte europeu, a rede ferroviária está a tornar-se cada vez mais elétrica, mas não há mexidas nos troços. A única exceção é a construção da linha Évora-Elvas – que colocará Lisboa e Madrid a cinco horas de distância depois de 2023 – e a reabertura da ligação entre Covilhã e Guarda.
2021 é um ano de grande expectativa. Em abril, será apresentado o primeiro plano ferroviário nacional. Será a base para discutir o papel do comboio em Portugal, que deverá chegar a todas as capitais de distrito e garantir a ligação com outros meios de transporte.
A este plano vai somar-se o início da execução do Programa Nacional de Investimentos para 2030 (PNI 2030). Só para a ferrovia, haverá 10,5 mil milhões de euros. “É algo que nunca aconteceu em Portugal”, destaca Cardoso dos Reis.
É à Infraestruturas de Portugal (IP) que caberá pôr nos carris, por exemplo, uma nova linha Lisboa-Porto. As duas cidades ficarão a uma hora e 15 minutos de distância a partir de 2030. O comboio de alta velocidade terá paragens em Lisboa-Oriente, Leiria, Coimbra, Aveiro e Porto-Campanhã, destaca o vice-presidente da IP.
Carlos Fernandes nota que este projeto terá duas fases: até 2028, ficará concluído o troço Porto-Soure, permitindo uma viagem de duas horas da Invicta até à capital; o resto ficará concluído até 2030. No Porto deverá nascer uma nova ponte ferroviária: “Dificilmente poderá ser utilizada a ponte de São João devido à sua capacidade. Ficaríamos com um gargalo muito significativo na entrada do Porto”, reconhece o gestor.
A nova linha também vai servir o resto do país: por exemplo, Lisboa ficará a 35 minutos de Leiria, menos duas horas e 33 minutos do que atualmente; do Porto à Guarda a redução será de 53 minutos.
A IP quer evitar os problemas do Ferrovia 2020, que já deveria estar concluído, mas que ficará pronto com quase três anos de atraso. “O PNI 2030 vai agarrar nos conhecimentos de pessoas já habituadas a fazer projetos ferroviários”, garante Carlos Fernandes ao Dinheiro Vivo. O gestor explica que “são necessários, em média, sete anos entre a autorização do governo e a abertura ao serviço de um troço”.
Para que as obras fiquem prontas, os projetos têm de começar já a sair da gaveta: o governo aprovou um primeiro pacote, de 12 milhões de euros, em estudos prévios para arranque de obras com a renovação do troço Casa Branca-Beja e a duplicação da ligação Poceirão-Bombel. Está ainda em preparação um segundo pacote, de 26 milhões de euros.
Quando Portugal entrou para a UE, a revolução rodoviária multiplicou a rede de autoestradas de 211 para 3065 quilómetros. Em 2021, o tempo é da revolução ferroviária, “uma nova fase no sistema de transportes”, segundo Cardoso dos Reis.
A cimeira da Plataforma Ferroviária Portuguesa, em fevereiro, foi o aperitivo para as iniciativas nacionais no Ano Europeu do Transporte Ferroviário.
Depois do evento de apresentação de hoje, abril será um mês recheado: além da apresentação do plano ferroviário nacional no Parlamento, os comboios elétricos vão poder começar a circular entre Viana do Castelo e Valença – a sinalização eletrónica fica para 2022 – e será reaberto o troço Covilhã-Guarda, na Beira Baixa.
Em junho, começam as ações de promoção do comboio nas escolas. Em setembro, haverá uma cimeira sobre descarbonização, num comboio intercidades entre Lisboa e Porto. Nesse mês, serão emitidos selos alusivos a este ano europeu.
Em outubro, uma exposição vai marcar os 165 anos da primeira viagem de comboio em Portugal.