Julho de 1966. Portugal chegou a Inglaterra como seleção estreante e partiu como 3.ª classificada, louvada como se se tivesse tornado campeã do mundo. Derrotar o Brasil de Pelé e uma sensacional reviravolta contra a Coreia do Norte são alguns dos feitos que entraram para a história da modalidade.
Portugal nunca se havia qualificado para a fase final de um campeonato do mundo ou da Europa quando, a 31 de outubro de 1965, entrou no Estádio das Antas, no Porto, a precisar de apenas um ponto para garantir o acesso ao Mundial de 1966, em Inglaterra. Depois de quatro vitórias nos quatro primeiros jogos da fase de apuramento, empatou 0-0 contra a vice-campeã do mundo, a poderosa Checoslováquia. A seleção portuguesa garantia assim um apuramento inédito.
Na primeira metade da década de 1960, o Benfica disputou quatro vezes a final da Taça dos Campeões Europeus, ganhando duas. O Sporting venceu a Taça das Taças na temporada 1963/64. Mas apesar de todo o sucesso dos clubes que eram as equipas-base da seleção, Portugal nunca tinha conseguido ultrapassar uma fase de qualificação, apesar de as disputar há 32 anos.
Foi com este historial que o coletivo selecionado por Manuel da Luz Afonso e treinado pelo brasileiro Otto Glória partiu para Inglaterra, nos primeiros dias de julho de 1966. Mas os resultados obtidos na fase de qualificação alimentavam esperança numa participação meritória no torneio.
A esperança alastrou-se aos adeptos, tanto que atribuíram um cognome aos 22 jogadores convocados. Chamaram-lhes os “Magriços”, em referência à lenda de Álvaro Gonçalves Coutinho, que na Idade Média havia partido com 12 companheiros para Inglaterra em defesa de 12 damas ofendidas por cavaleiros britânicos.
Vitória num grupo assustador
No onze-tipo dos “Magriços” cabiam elementos da defesa rotinada do Sporting, particularmente Hilário, Alexandre Baptista e José Carlos, e no ataque os “quatro magníficos” do Benfica: José Augusto, Torres, Eusébio e Simões. Entre estes dois setores, o equilíbrio era ditado pelo capitão Coluna (Benfica) e pelo incansável Jaime Graça (Vitória de Setúbal).
O sorteio da fase inicial foi assustador. Portugal teria que defrontar o Brasil, campeão do mundo, a Hungria, uma das primeiras potências futebolísticas europeias, e a Bulgária, que pouco antes havia afastado o conjunto português da Taça da Europa das Nações. Mas as primeiras atuações afastaram de imediato o temor.
No primeiro jogo, a 13 de julho, apesar de os húngaros terem apresentado um futebol de ataque, Portugal venceu por 3-1, com dois golos de José Augusto e um de Torres. Três dias depois, nova partida e novo triunfo, contra a Bulgária, por 3-0: golos de Eusébio, Torres e Vatusov, este último na própria baliza.
Com estes resultados, a seleção portuguesa entrou em campo contra o Brasil com o apuramento para os quartos de final quase garantido, o que era uma boa notícia, dado que os campeões do mundo apresentavam um conjunto de craques planetários, como Pelé, Garrincha, Vavá, Djalma Santos e Didi.
Numa exibição histórica, o defesa português Vicente anulou Pelé, Simões abriu o marcador para Portugal e Eusébio aumentou a vantagem. O Brasil ainda reduziu, mas o “Pantera Negra” voltou a marcar, com um remate fortíssimo, e arrumou a questão: 3-1. Com este resultado, que ditou a eliminação dos brasileiros, os “Magriços” passavam para o primeiro lugar da bolsa de apostas para a conquista do título mundial.
Reviravolta, choro e consolação
A vitória contra o Brasil colocou os olhos do mundo sobre a seleção portuguesa, na primeira vez em que todos os jogos de um Mundial tiveram transmissão televisiva. Nos “quartos”, Portugal enfrentou a outra equipa-sensação da prova, a Coreia do Norte, que havia ganho à poderosa Itália por 1-0.
O jogo de 23 de julho começou com mais uma surpresa protagonizada pelos asiáticos, que ao minuto 25 já venciam por 0-3. Mas perto da meia hora de jogo começou a desenhar-se a exibição mais sensacional da carreira de Eusébio, quando marcou o primeiro golo português. Reduziria ainda antes do intervalo, de penalti.
Na segunda parte marcaria mais por mais duas vezes, proporcionando a reviravolta no marcador. Depois dos quatro golos do avançado nascido em Lourenço Marques (atual Maputo), chegou a vez de José Augusto selar o 5-3 final. O público português celebrou o que acabava de assistir através das televisões de cafés, cinemas, associações e nas casas mais abastadas.
Eusébio colocava assim os “Magriços” na meia-final, contra a anfitriã Inglaterra. O jogo foi marcado para o final da tarde de 26 de julho, no emblemático Estádio de Wembley, lotado por mais de 94 000 espetadores, ingleses na esmagadora maioria. No campo, o feroz Nobby Stiles perseguia Eusébio para todo o lado, no último Mundial sem cartões amarelos ou vermelhos.
Bobby Charlton marcou duas vezes para os ingleses, aos minutos 30 e 80. Eusébio ainda reduziu aos 82 e posteriormente Simões falhou o golo do empate. Quando terminou a partida, o “King” chorou a eliminação a um jogo da final, que também seria ganha pela Inglaterra.
Na atribuição do 3.º lugar, o chamado “jogo de consolação”, a 28 de julho, Portugal bateu a União Soviética por 2-1, com o tento da vitória a surgir ao minuto 89, por José Torres, o “Bom Gigante”. O marcador havia sido inaugurado por Eusébio. Diante do melhor guarda-redes do mundo, Lev Yashin, converteu de penalti o último dos nove golos que marcou na competição, que lhe valeram o título de melhor marcador.
Exibições como as logradas contra o Brasil e a Coreia do Norte fez com que nem os ingleses colocassem em causa o seu nome enquanto melhor jogador do torneio. Eusébio juntou-se a Amália Rodrigues como os primeiros portugueses de dimensão global.
Meio século depois, Portugal conquista o primeiro título numa grande competição de seleções absolutas e sagra-se campeão da Europa. Eusébio e os “Magriços” continuam a deter o rótulo de lendas e, a eles, juntam-se os heróis da seleção nacional do Euro 2016.
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